A Livraria Cultura comprou a operação brasileira da multinacional francesa Fnac na última quarta-feira (19). O negócio pegou muitas pessoas de surpresa, afinal há meses se ventilava uma fusão da empresa da família Herz com a líder Saraiva, que também passa por uma situação econômica complicada. O negócio, que não teve os dados financeiros divulgados, muda o cenário do mercado editorial brasileiro.

O negócio passou até ser de sobrevivência. Se para o varejo como o todo a crise foi complicada, o segmento de livros sofreu ainda mais. Segundo o IBGE, o setor livreiro teve uma queda de 16% em 2016. O próprio faturamento da Livraria Cultura, no ano passado, foi de R$ 380 milhões – R$ 80 milhões a menos do registrado em 2014.

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A empresa vinha em uma série de negociações de dívidas. Em conversa com a reportagem da NOVAREJO, há três semanas, Sérgio Herz, CEO da Livraria Cultura, não negava que um negócio com a Saraiva poderia acontecer para reforçar o caixa. “Se for bom para as duas partes, não direi que dessa água não beberei”, afirmou Herz. Procurado para comentar a aquisição da Fnac, Herz não quis conceder entrevista.

Agora, com outro parceiro, o executivo terá a missão de tocar uma empresa que nasce com 30 lojas e 16% do mercado. Ela ainda ficará longe da Saraiva, com 104 lojas e 25% de marketshare, mas passará a incomodar a empresa que era o antigo alvo de cobiça. Com duas marcas fortes, Herz terá carta branca para definir se ampliará a Fnac por todo o Brasil e até mesmo o destino dos 500 funcionários.

Pelo fim da dívida

A negociação entre Fnac e Livraria Cultura não seguiu os trâmites tradicionais, em que uma paga totalmente pelo controle da outra. A Fnac, que buscava, desde o início do ano, um parceiro para deixar as suas operações no Brasil, aceitou pagar R$ 150 milhões para deixar a empresa com a Livraria Cultura.

O dinheiro serviria para a Livraria Cultura acertar parte da dívida bancárias e com as editoras, que não estão recebendo pelos livros vendidos, e para tocar a operação da Fnac, que possui 11 lojas alugadas. A informação gerou estranhamento nos corredores da Fnac, que não possuía dívidas com bancos.

“Como uma empresa paga para outra administrar o negócio dela?”, disse uma fonte.

Foi o que aconteceu

De certa forma, a operação faz todo o sentido. Segundo especialistas ouvidos pela NOVAREJO, o dinheiro vai servir como um financiamento para a Livraria Cultura.

Seria muito mais caro para a Fnac encerrar a operação, demitir os 500 funcionários e fechar as portas das 11 lojas. Para completar, ela ainda vai receber royalties do licenciamento da marca, que continuará a ser usada no Brasil e por uma empresa que tem um bom reconhecimento do mercado.

“Seria um passivo gigantesco para a empresa e, caso ela quisesse, acabaria com a oportunidade de voltar para o Brasil no futuro”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da AGR Consultores. “Para o tamanho de uma empresa como a Fnac, R$ 150 milhões não não é muito dinheiro.” Para Dоuglas Carvalho, dono da consultoria Target Advisor, especializada em fusões e aquisições, a Fnac não tinha outra saída. “A Livraria Cultura foi o último suspiro da Fnac”, afirma ele.

Um fato não é que as demissões começaram na sede da Fnac. Os funcionários mais antigos estão sendo cortados desde o início da semana, antes mesmo do anúncio oficial da venda. De acordo com fontes, a área editorial da Fnac deve sofrer com cortes. “Afinal, faz mais sentido manter a área de eletrônicos, onde a Livraria Cultura não tem expertise alguma”, afirma uma pessoa próxima à Fnac.

O braço de eletrônicos, aliás, passará a ser uma grande alternativa para a Livraria Cultura. Com o aumento do portfólio, deixará de ficar tão exposta ao setor editorial.

Por que a Fnac quer abandonar o Brasil?

Desde o início de 2016, quando houve a troca de presidentes, o destino da Fnac parecida fadado. A ex-CEO Claudia Elisa Soares era vista como uma executiva com perfil mais expansivo, enquanto Arthur Negri, atual presidente e ex-comandante da subsidiária da Blockbuster no Brasil, era focado em fechar planilhas. A troca foi realizada de maneira silenciosa, sem avisos ao mercado.

Um ano depois veio a confirmação: a Fnac anunciou que estava procurando um parceiro para deixar o Brasil.

“Algumas pessoas dentro da companhia já tinham percebido que algo parecido iria acontecer”, diz uma fonte.

O movimento não atinge somente o Brasil. A acionista controladora da Fnac não é a Pinault-Printemps-La Redoute (PPR), especializada no setor de luxo e dona de marcas consagradas como a Gucci.

Desde 2009, a empresa deixou a Fnac um pouco de lado para se concentrar exatamente no seu braço luxuoso, que possui maiores margens.

Por isso, quatro anos mais tarde, a Fnac abriu capital. A ideia era diluir a participação na varejista. A estratégia foi consolidada no ano passado com a fusão da Fnac com a Darty, maior varejista de eletrônicos da França, que originou uma empresa de € 7 bilhões.

Com a concretização do negócio, o foco da empresa passou a ser a expansão pela Europa. Fora de lá, o crescimento está sendo por meio de master-franqueados, como acontece em alguns países da África. Alguma semelhança com o negócio do Brasil?